Àquela manhã, tudo era calma.
Somente aquela barata estrebuchava, de pernas pra cimas, no meio da sala. Aquela cena angustiante tocara-me fundo, disparando-me o botão
temporal da existência. Mexera comigo, com meu devir. A morte iminente era o
nosso elo afetivo. Eu e ela; ela e eu. Ambas exasperavam pra continuar vivas.
Nossas vidas se esvaiam. Eu pelas horas de caminhadas, já que estava pra
completar noventa e seis anos. Ela pelo asco de alguém que a viu em seu passeio
noturno.
Ao vê-la daquele jeito, em
sua hora de morte, nenhuma dó sentira. Nada, nada! Estávamos no mesmo vão da
existência. Ninguém pra sentir sequer uma peninha de nós duas. Estávamos sozinhas! E
a nossa solidão doía mais que nosso término do ciclo vital. A solidão do final
da vitalidade é mais solidão do que as outras formas de solidão. Até mesmo da
solidão de quem se sente só em meio à multidão.
A barata, por certo, era
menos solitária que eu, pois já estava repleta de formiguinhas pelo seu corpo.
Ainda não esfriara de toda; suas amigas já lhe faziam companhia. As centopeias,
os escorpiões, as vespas, vermes de toda sorte esperavam-me, com certeza, pra
me fazerem sala, assim apagassem-me a luz dos meus olhos . Espetáculo, à parte, certo em
nossas vidas!
A barata ainda se debatera na
lata de lixo; tentara reagir. Percebi um frágil esboço de sorriso em seus lábios, como a dizer-me que eu ficasse bem, que estava bem também.
Ao mesmo tempo sinistro e lúgubre, belo e reflexivo! Gostei muito!
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