sábado, 4 de maio de 2013

A Morte, espetáculo à parte



Àquela manhã, tudo era calma. Somente aquela barata estrebuchava, de pernas pra cimas, no meio da sala. Aquela cena angustiante tocara-me fundo, disparando-me o botão temporal da existência. Mexera comigo, com meu devir. A morte iminente era o nosso elo afetivo. Eu e ela; ela e eu. Ambas exasperavam pra continuar vivas. Nossas vidas se esvaiam. Eu pelas horas de caminhadas, já que estava pra completar noventa e seis anos. Ela pelo asco de alguém que a viu em seu passeio noturno.

Ao vê-la daquele jeito, em sua hora de morte, nenhuma dó sentira. Nada, nada! Estávamos no mesmo vão da existência. Ninguém pra sentir sequer uma peninha de nós duas. Estávamos sozinhas! E a nossa solidão doía mais que nosso término do ciclo vital. A solidão do final da vitalidade é mais solidão do que as outras formas de solidão. Até mesmo da solidão de quem se sente só em meio à multidão.

A barata, por certo, era menos solitária que eu, pois já estava repleta de formiguinhas pelo seu corpo. Ainda não esfriara de toda; suas amigas já lhe faziam companhia. As centopeias, os escorpiões, as vespas, vermes de toda sorte esperavam-me, com certeza, pra me fazerem sala, assim apagassem-me a luz dos meus olhos . Espetáculo, à parte, certo em nossas vidas!

A barata ainda se debatera na lata de lixo; tentara reagir. Percebi um frágil esboço de sorriso em seus lábios, como a dizer-me que eu ficasse bem, que estava  bem também. 

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